Componente molecular imita plasticidade cerebral e pode revolucionar processadores

Uma única molécula guarda múltiplos dados e faz cálculos, aprendendo no processo e com um consumo mínimo de energia.

Publicado em 4 de Setembro de 2021 Fonte: Inovação Tecnológica.

Sinapse artificial

Todos os computadores e demais aparelhos eletrônicos são baseados em circuitos lógicos construídos com transistores interconectados para executar funções lógicas predefinidas.

Agora imagine um circuito no qual cada componente fundamental possa ser configurado em tempo real, possa funcionar tanto como memória quanto para cálculo, dispensando a separação entre processador e memória, e ainda aprenda de forma similar às sinapses do cérebro humano.

Pois não é necessário imaginar, porque uma equipe internacional de pesquisadores acaba de desenvolver justamente isso, um novo componente eletrônico que funciona como memória e processador, pode ser reconfigurado, aprende e ainda é formado por uma única molécula, o que reduz seu consumo de energia ao mínimo.

"De modo similar à flexibilidade e à adaptabilidade das conexões no cérebro humano, nosso dispositivo de memória pode ser reconfigurado rapidamente em tempo de voo para diferentes tarefas computacionais simplesmente alterando as tensões [elétricas] aplicadas. Além disso, do mesmo modo que as células nervosas podem armazenar memórias, o mesmo dispositivo também pode reter informações para futura recuperação e processamento," disse o professor Sreetosh Goswami, da Universidade Nacional de Cingapura.

Este é um passo gigantesco em relação aos memoristores orgânicos criados pela equipe no ano passado, que por si só já haviam se mostrado surpreendentes.

Memoristor molecular

Tecnicamente, o novo componente é um memoristor molecular - também conhecidos como sinapses artificiais, os memoristores podem fazer cálculos e se "lembram" dos dados que foram guardados neles antes.

A grande diferença é que ele é formado por uma única molécula, composta por apenas 77 átomos, pertencente à família química das fenil-azo-piridinas, que têm um átomo de metal central ligado a moléculas orgânicas chamadas ligantes. Toda uma complexa lógica pode ser codifica nas propriedades de cada molécula, criando um novo componente de circuito eletrônico fundamental que não se limita a guardar apenas 0s e 1s, como os transistores.

"Essas moléculas são como esponjas de elétrons, que podem oferecer até seis transferências de elétrons, resultando em cinco estados moleculares diferentes. A interconectividade entre esses estados é a chave por trás da reconfigurabilidade do dispositivo," explicou Goswami.

memoristor

E, ao contrário dos memristores convencionais, feitos de óxidos metálicos, que são ligados e desligados em apenas uma voltagem fixa, estes novos componentes moleculares orgânicos podem alternar entre os estados ligado-desligado em várias tensões sequenciais discretas.

A molécula usa a assimetria natural em suas ligações metal-orgânicas para alternar claramente entre os diferentes estados, o que permite executar funções de decisão ultrarrápidas. "A variação da tensão negativa aciona os ligantes da molécula, fazendo com que eles passem por uma série de reduções, ou ganhos de elétrons, o que gera a transição da molécula entre os estados de ligado e desligado," explicou Goswami.

Arquitetura de computação neuromórfica

A equipe partiu então para demonstrar como seu memoristor orgânico molecular funciona no mundo da eletrônica e da computação.

O que eles demonstraram é de fato um novo tipo de arquitetura de computação neuromórfica - inspirada no cérebro - criada por meio da otimização das propriedades elétricas de cristais produzidos a partir das suas moléculas.

As moléculas foram dispersas em um minúsculo circuito elétrico que consiste em uma camada de filme molecular de 40 nanômetros de espessura ensanduichada entre uma camada superior de ouro e uma camada inferior formada por um nanodisco dopado com ouro e óxido de índio-estanho (ITO). Quando uma tensão negativa é aplicada ao circuito, ele apresenta um perfil de corrente-tensão sem precedentes, com múltiplas transições geradas pelo movimento vibracional da molécula orgânica.

Os pesquisadores descreveram esse comportamento das moléculas usando um algoritmo de árvore de decisão com declarações "if-then-else", tipicamente usadas na codificação de programas de computador - em comparação com a abordagem convencional de usar equações básicas baseadas na física.

Com isto, a equipe usou os componentes de memória molecular para executar programas para diferentes tarefas computacionais do mundo real. Como prova de conceito, a equipe demonstrou que sua tecnologia pode realizar cálculos complexos em uma única etapa e pode ser reprogramada para realizar outra tarefa no próximo instante.

Um único circuito de memória molecular pode executar as mesmas funções computacionais de milhares de transistores, tornando a tecnologia uma opção de memória mais poderosa e com maior eficiência energética.

Moleculas

A equipe já está trabalhando na construção de circuitos eletrônicos mais complexos e trabalhando com colaboradores de outras universidades para realizar simulações e avaliações do desempenho de sua nova arquitetura em comparação com as tecnologias atuais.